Cadeirante, ex-atleta sobrevive como entregador de app no interior de SP

Caíque Palma de Souza trafega ofegante pelas ruas de Paulínia (SP), cidade a 123 km de São Paulo. Em suas costas, carrega uma bolsa na qual leva lanches, pizzas e diversos outros tipos de comida que são pedidos através de um aplicativo de entrega.

Cadeirante, ex-atleta sobrevive como entregador de app no interior de SP
Caíque Palma de Souza ganha R$ 150 por semana; com cadeira motorizada, espera receber este valor diariamente — Foto: Arquivo Pessoal

São cerca de 10 horas de trabalho todos os dias e pelo menos 7 km percorridos. Rotina que seria comum de um entregador se não fosse por um detalhe: Caíque nasceu com malformação na coluna chamada mielomeningocele e é cadeirante.

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Há pouco mais de um mês no trabalho, o jovem de 23 anos, que é ex-paraatleta, afirma que percorrer de cadeira de rodas pelas ruas da cidade não tem sido tarefa fácil. Estudante de educação física, sem oportunidade de emprego em outras áreas, virar entregador foi a alternativa encontrada para ajudar na renda da casa.

"Desde os meus 18 anos eu entrego currículos e nunca tive uma oportunidade. Já busquei emprego nos mais diversos setores, em empresas grandes, médias e pequenas, e está bem complicado conseguir um emprego. Todo mundo precisa trabalhar e eu preciso ajudar no orçamento familiar, por isso essa oportunidade de entregador surgiu e eu estou me dedicando a ela", explica o jovem.

Trabalhando pelo menos cinco dias na semana, Caíque afirma que consegue receber cerca de R$ 150 por semana com as entregas. O valor, segundo o entregador, ajuda nos gastos domésticos. Em casa, ele divide as contas com a mãe, que trabalha como doméstica.

Para conseguir trabalhar de entregador no aplicativo, Caíque se cadastrou na categoria de entregas de bicicleta, já que não há opções para entregar em cadeira de rodas. Para que as entregas de suas encomendas não demorem muito, ele relata que opta por fazer entregas na área central, onde o fluxo de pedidos também é maior.

"Como moro em um bairro mais afastado, pego ônibus todos os dias para ir até o centro. Lá pego encomendas que são mais próximas, e por ter sido velocista durante muito tempo, sou bem ágil na entrega, acabo demorando o mesmo tempo que um entregador de bicicleta. A entrega mais longe que fiz foi na distância de pouco mais de 4 km e demorei 12 minutos", conta.

Cadeirante, ex-atleta sobrevive como entregador de app no interior de SP
Carreira de Caique nos esportes durou 10 anos, como velocista ele conquistou o título de campeão brasileiro na categoria júnior — Foto: Caique Palma de Souza/Arquivo Pessoal

Falta de acessibilidade

A força de vontade do entregador esbarra muitas vezes na falta de acessibilidade da cidade. Calçadas esburacadas e sem rampas fazem com que Caíque tenha que andar com sua cadeira pela rua.

"É mais perigoso, mas é a única maneira de conseguir ser ágil e cumprir com o horário da entrega", lembra.

Ainda segundo o ex-atleta, a falta de acessibilidade para pessoa com deficiência não para por aí. Muitos estabelecimentos também não oferecem rampas, dificultando o trabalho do entregador.

"Ontem mesmo fui retirar um pedido em um restaurante que não tinha acessibilidade, apenas uma escada. Tive que pedir ajudar aos funcionários para conseguir entrar e retirar a entrega. Isso sem contar as calçadas que são péssimas", relata.

Cadeira motorizada

A força de vontade e o entusiasmo por estar trabalhando comoveu um grupo de motoboys da cidade, que criou uma vaquinha virtual para ajudar o entregador. O objetivo era arrecadar R$ 12 mil para comprar um kit motorizado para adaptar a cadeira de rodas de Caíque e assim, ajuda-lo nas entregas.

Em menos de 10 dias o valor foi arrecadado e a vaquinha foi encerrada.

"Hoje pela manhã recebi a doação do valor que faltava e agora já vamos ver de comprar o kit. Assim pretendo aumentar bastante o número de entregas que faço e conseguir ganhar mais. Hoje consigo fazer, em média, R$ 150 por semana, com a cadeira motorizada minha meta é fazer isso por dia", acrescenta Caíque.

Carreira como paraatleta

Caíque nasceu com mielomeningocele, doença congênita que prejudica o desenvolvimento da medula espinhal. Aos 12 anos começou a vida no esporte participando da categoria de arremesso de dardos. Há dez anos se tornou velocista, onde conquistou diversas medalhas, principalmente na prova dos 100 metros. Seu nome está na lista dos melhores resultados do país no Comitê Paralímpico Brasileiro.

"Foram 115 medalhas, quatro Campeonatos Brasileiro juvenis, dois Campeonatos Brasileiro adulto e diversos Campeonatos Paulistas", recorda o jovem.

Caíque encerrou a carreira no início de 2020 devido à falta de incentivo financeiro e a dificuldade em conciliar a carreira de atleta com os estudos.

"Falta um ano para eu terminar a faculdade e vieram as provas, o TCC e começou a ficar complicado conciliar com os treinos. Fora isso tem a falta de incentivo para os atletas, eu acabava gastando muito com a manutenção da cadeira e não tinha retorno", recorda.

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Com informações do UOL

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